Texto da Penser publicado no ‘Prata da Casa’, do Portal Terra

Formação do ser humano ajuda a evitar jogadores mimados no futuro

 

Adryan: foi cedo para o alto e rapidamente para baixo (Foto: Alexandre Loureiro / Vipcomm)

 O Prata da Casa está em férias já há duas semanas, e textos apenas esporádicos vão pintar por aqui. Nesse período, a Seleção Brasileira Sub-17 fica um pouco abaixo do esperado no Sul-Americano, o São Paulo vê se confirmar o boicote de outras equipes em função do aliciamento de jogadores e o presidente do Bahia, Marcelo Guimarães Filho, vê se intensificar a pressão por conta de sua relação com a Calcio. Nada que seja grande novidade para o leitor deste blog.

Para minimizar a ausência dos últimos dias em meio às férias, trago esse trabalho acadêmico do colega Fernando Pacheco. Pontos importantes da formação de jogadores – e principalmente seres humanos – são abordados abaixo. Vale muito a leitura e a reflexão.

Um abraço,

Dassler

“Experiências múltiplas são pontos importantes para a formação de jogadores capacitados e cidadãos preparados”

ESCREVE FERNANDO PACHECO*

Ao se tornarem estrelas cada vez mais cedo e apresentarem responsabilidades de adultos, os jovens jogadores do futebol enfrentam um processo de “profissionalização” precoce e perdem boa parte das experiências importantes na infância e adolescência. A manutenção da rotina de concentração, treinamentos e viagens constantes faz com que os garotos não desenvolvam outras habilidades fundamentais para o restante da vida, focando-se apenas nos detalhes que os prendem ao esporte que praticam.

Algumas áreas específicas dos estudos em Educação Física defendem uma variedade de múltiplas experiências, que podem ser fundamentais para o restante da vida desses jovens. E isso abrange o fato de eles se tornarem jogadores profissionais ou não.

Segundo Israel Teoldo da Costa*, doutor em ciências do esporte pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, quanto mais cultura geral os jovens do futebol adquirirem, melhor. Ele garante que a vivência em diferentes áreas é fundamental para o aumento da possibilidade de obter sucesso como ser humano, seja para a carreira profissional, na execução dos fundamentos inerentes ao esporte, ou para a vida de uma forma geral.

“Temos atualmente algumas pesquisas relacionadas a isso na Europa. O processo educativo de maneira adequada está direcionado também ao desempenho dentro de campo. O atleta que lê e que vivencia experiências está acostumado a processar mais informações e com uma facilidade maior. Nos treinos e jogos isso se torna vísivel. E fora de campo também é fundamental. Somente um pequeno percentual dos jogadores de base chega ao time principal. Com boas vivências, se esses garotos não forem profissionais, eles terão oportunidades de seguir outra carreira”, explicou.

Além da responsabilidade social de investir na educação, a iniciativa de dar oportunidades de vivências múltiplas aos jovens pode ser fundamental para um retorno positivo dentro de campo. Esse processo é explicado por Pablo Juan Grecco*, pós-doutor em pedagogia do esporte e professor da Escola de Educação física da UFMG. Segundo ele, as várias inteligências coexistem e ajudam para que o jogador ganhe mais facilidade na execução dos processos de um jogo de futebol.

“Não existe criança atleta e este é um é um princípio importante de se colocar. Se você desrespeita a ordem natural das coisas isso pode ser prejudicial. Quando falamos em futebol, que é perverso neste sentido, as coisas mais profissionais acontecem muito rapidamente. Até chegar a hora de aprimorar os aspectos, a criança precisa aprender a fazer de tudo um pouco, principalmente ler e estudar. A inteligência motora está ligada a toda as outras inteligências. Existe uma corrente da teoria das inteligências múltiplas. Se a criança tem uma boa leitura, aprende outra língua, tudo que venha a contribuir para novas conexões neurais pode auxiliar e ser muito importante. Ela consegue representar melhor o movimento que é passado e apresenta uma grande variedade. Só jogar futebol não resolve. Os jovens têm de aprender matemática, línguas, geografia e todas as coisas importantes. Isso é fundamental para o desenvolvimento intelectual. Tudo que passa cultura pode contribuir de alguma forma. A coordenação é a base da inteligência”, disse Grecco.

Uma boa forma de criar novas ferramentas para o desenvolvimentos dos jovens é oferecer oportunidade de vivenciar situações diferentes das habituais dos clubes. Aulas de idiomas, cobrança de bom comportamento e desempenho satisfatório na vida acadêmica, filmes, livros e várias outras manifestações culturais e sociais se transformam em pontos fundamentais para o auxílio à formação de jogadores mais capacitados e cidadãos mais preparados para sucessos e fracassos.

Mimos, foco somente no futebol e reflexo nas transferências

Um dos pontos mais preocupantes atualmente é o exagero que se dá ao fato de uma criança ou adolescente ser competente na prática do futebol. Em escolas e agremiações é comum que esses meninos sejam supervalorizados, deixando de lado fatores como educação, bom relacionamento com os colegas e capacidade de adaptação a diferentes ambientes. Se joga bem…tudo pode! Essa é uma premissa muito vista por aí.

Assim, mimados desde a fase de formação, é bastante plausível que os jovens levem isso para a fase adulta e ajam como se fossem os donos da verdade em diferentes situações. É um processo comum de se observar no cotidiano das categorias de base no Brasil, não desconsiderando a existência de boas e raras exceções.

O mais importante de se entender é que esses detalhes vão além do futebol e apresentam uma característica da nossa sociedade e de nossa formação cultural e educacional. Podemos e devemos trabalhar a formação geral desde os primeiros anos da prática, buscando deixar claro para os garotos que o jogador de futebol não pode, e nem representa, mais do que ninguém para a comunidade.

Esse perfil descrito acima reflete claramente no comportamento do jogador na idade adulta. Adaptado a se sentir acima de tudo e de todos, alguns futebolistas carregam esse modelo para sua carreira e comumente entram em conflito com técnicos, dirigentes, jornalistas, torcedores e patrocinadores.

Nos últimos anos, é fácil ver o fenômeno do “bate-volta” de jogadores brasileiros após períodos curtíssimos no futebol europeu. Do ponto de vista de negócio e mercado, a tendência é que a atratividade dos tupiniquins caia ainda mais perante os grandes centros. Apesar disso, sem sentido lógico ou de fácil explicação, clubes do Leste Europeu seguem procurando promessas brasileiras. Pode ser que eles ainda se sintam atraídos pelo perfil dos nossos jogadores ou do histórico positivo de décadas anteriores. Porém, é preciso atenção para nossa formação de atletas. Uma hora a torneira fecha… aqui ou lá!

* Texto escrito por Fernando Pacheco, diretor da Penser Desenvolvimento Estratégico e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas

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